quinta-feira, 31 de maio de 2012

A Dança da Psique


A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo, A alma arde, A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombam, cedendo à ação de ignotos pesos!

É então que a vaga dos instintos presos
-- Mãe de esterilidades e cansaços --
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.

Subitamente a cerebral coreia
Para. O cosmos sintético da Ideia
Surge. Emoções extraordinárias sinto.

Arranco do meu crânio as nebulosas
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!

(Augusto dos anjos)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Um sonho num sonho



Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confessar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fugidia?
De maneira qualquer fugiria.
O que vejo, o que sou e suponho
não é mais do que um sonho num sonho.

Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma praia, que a vaga tortura.
Minha mão grãos de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas, fogem-me, pelos
dedos, para a profunda água escura.
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! meu Deus! E não posso salvar
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou e suponho
será apenas um sonho num sonho?

(Edgar Allan Poe)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Ser fragmentado



Interessante forma de ser, essa dos homens...
Ser tantos e ao mesmo tempo nenhum...
A pergunta universal que ninguém consegue responder:
"Quem sou eu?"...

Vejamos,
Quem sou, na verdade:
- O que fui...
- O que pretendo ser...
- O que penso ser...
- O que finjo ser...
- O que digo que sou...
- O que os outros acham que sou...
- O que dizem que sou...

Em suma, acabamos por não descobrir quem somos.

Sou muitos, sou todos, sou nada...
E concluo sendo o que não quero ser!

domingo, 27 de maio de 2012

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades


Mesmo escrito a tantos séculos, parece que algumas coisas não sofrem mutações... Camões, sempre atual...
_______________


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

(Luís de Camões)

sábado, 19 de maio de 2012

Poema de Sete Faces & Com licença poética



Um pouco de poesia moderna, agora.
Carlos Drummond de Andrade em "Poema de sete faces", revela seu panorama de um mundo desesperançado, diante de tantas violações. Mundo este, tão recorrente em sua poesia.
Em resposta, Adélia Prado vem parafrasear com o poeta, expondo, agora, a visão feminina.


Poema de sete faces
(Carlos Drummond de Andrade)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Com licença poética
 (Adélia Prado)
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

No tempo em que estou


Estando em um presente confuso
Encontro luzes que fazem-me desejar
Procurar um futuro.
Ciclos por demais distantes,
Que por um tempo sonhei alcançar.

Em meio a esperanças tolas
Volto ao passado incerto.
Por que incerteza, se já está atrás, passou?
Por ser tamanha a debilidade da mente,
Por vezes confusa, espaço liberto.

Em um futuro perdido, que parece não chegar,
Temo nunca tocá-lo.
E voltando ao passado difuso,
Anseios que movimentam a alma,
Espero o que por muito tenho desejado.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Bailarina e o Vaso Chinês

(Marco Túlio Costa)


Ele era um vaso chinês. Dizem que tinha gerações de história e por isso o reverenciavam. E a reverência dava-lhe um pedestal de orgulho, de forma que guardava em si mesmo suas palavras, pois fazia conta de que fossem de grande valor.
Era um vaso chinês, mas era vazio. Não o enchiam com água para depositar nele rosas e outras coisas efêmeras.
Certo dia, ele conheceu a bailarina da caixa de música e encantou-se pelos seus movimentos graciosos. Mas ela não fez caso daquele amor.
__ Ah! Não posso amar-te. Veja como sou livre e posso dançar? Somos tão diferentes. Não sei que seria de mim se me fosse reservado um pedestal, como esse em que te prendes.
Invejo-te, eu confesso. Depositaria em tuas mãos todo o meu passado, para que tu o atirasses para o alto como pó inútil, como se isso me tornasse alguém digno de ti, se isso fosse mágica que me transformasse num par com leveza e graça para acompanhar-te numa música eterna.
E o vaso chinês continuava cada vez mais vazio. As palavras que guardara como se fossem tesouro escapavam dele, mas sequer conseguiam chegar ao coração se sua amada, desvanecendo-se na distância entre o pedestal e a estante onde ela morava.
Certa noite, o vaso acordou de seu sono de porcelana. Pensara ter ouvido  a doce melodia da caixinha de música. Logo percebeu que ela estava fechada em seu lugar e que a música era apenas o eco da paixão que, daquele dia em diante, passou a atormentar suas madrugadas.
Um dia, o destino, que tem mãos descuidadas de crianças, excedeu-se ao dar corda à caixinha, de modo que a mola da engrenagem quebrou.
Lamentou-se a bailarina de seu triste fado. A pista de espelho tornou-se um pedestal de gelo, que refletia sua imagem inerte e triste. De longe, também o vaso chinês se condoia com o desamparo de sua amada.
__ Ah, minha pobre bailarina. Lamentava-me de não ser livre como tu eras, mas hoje vejo-te presa a uma inocente criança. E eu, que me imaginava o mais inerte dos seres, sou de fato mais livre, pelo amor que sinto e que dá sentido à minha vida!
__ Creio na sinceridade desse amor. Mas que posso eu fazer para corresponder-te? Tu me amavas pelo que eu era, mas que sou agora?
__Amo-te com a mesma intensidade.
__ Como podes contentar-te com tão pouco? Apenas olhar-me?
__Se tudo que posso é olhar-te, então o que mais desejo. Mas tenho em mim guardada a fonte de tua felicidade e sei, como sei que te amo, que um dia depositarei em tuas mãos não o meu passado mas, aquele tempo que nos foi reservado e que virá.
__ Chegou o dia em que as mãos infantis tentaram novamente acionar a caixinha de música.  Irritada com o mecanismo que não mais funcionava, agarraram a pequena bailarina e a atiraram a esmo. E ela foi cair justamente dentro do vaso chinês. Onde um baile acontece todas as madrugadas e dois corações agora dançam.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Lo siento

Aproximado-se o Dia das Mães, posto uma linda canção em espanhol de Laura Pausini.
Talvez triste, mas sem deixar de ser bela.
(O Dia das Mães, na Espanha, é comemorado no 1° domingo de maio,
enquanto que no Brasil, no 2° domingo deste mês)
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Mamá, he soñado que llamabas a mi puerta
un poco tensa y con la gafas empañadas,
querías verme bien y fue la vez primera,
sentía que sabías como te añoraba.
Y me abrazaste mientras te maravillabas
de que aguantara triste y casi sin aliento,
hace ya tanto que no estamos abrazadas
y en el silencio me dijiste...¡lo siento!.

Pero ha bastado un ruido para despertarme,
para llorar y para hacer que regresara
a aquellos días que de niña me cuidabas
donde en verano cielo y playa se juntaban.
Mientras con mi muñeca vieja te escuchaba
los cuentos que tú cada noche me contabas
y cuando más pequeña tú me acurrucabas
y adormecida en tu regazo yo soñaba.

Pero a los dieciséis sentí como cambiaba,
y como soy realmente ahora me veía,
y me sentí tan sola y tan desesperada
porque yo no era ya la hija que quería.
Y fue el final así de nuestra confianza
de las pequeñas charlas que ayudaban tanto,
yo me escondí tras una gélida impaciencia,
y tú deseaste el hijo que se te ha negado.
Y me pasaba el día sin volver a casa,
no soportaba tus sermones para nada,
y comencé a volverme yo también celosa,
porque eras casi inalcanzable, tan hermosa.
Y abandoné mi sueño a falta de equipaje,
mi corazón al mar tiré en una vasija,
perdí hasta la memoria por falta de coraje,
porque me avergonzaba tanto ser tu hija.

No, no, no, no, no.

Mas no llamaste tú a mi puerta,
inútilmente tuve un sueño que no
puede realizarse,
mi pensamiento está tan lleno del presente
que mi orgullo no me deja perdonarme.
Mas si llamases a mi puerta en otro sueño,
no lograría pronunciar una palabra,
me mirarías con tu gesto tan severo
y yo me sentiría cada vez mas sola.

Por eso estoy en esta carta tan confusa,
para contar algo de paz en lo que pienso,
no para reclamarte ni pedirte excusas,
es solo para decirte, mama...¡lo siento!.
Y no es verdad que yo me sienta
avergonzada,
son nuestra almas tan igual, tan parecidas
esperaré pacientemente aquí sentada,
te quiero tanto mama...escríbeme...

tu hija.

(Laura Pausini)

domingo, 6 de maio de 2012

O Rouxinol e a Rosa


Belíssimo conto de  Oscar Wilde
E você, até onde iria por Amor?
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"Ela disse que dançaria comigo se eu lhe trouxesse rosas vermelhas", exclamou o jovem Estudante, "mas em todo o meu jardim não há nenhuma rosa vermelha."

Do seu ninho no alto da azinheira, o Rouxinol o ouviu, e olhou por entre as folhas, e ficou a pensar.

"Não há nenhuma rosa vermelha em todo o meu jardim!", exclamou ele, e seus lindos olhos encheram-se de lágrimas. "Ah, nossa felicidade depende de coisas tão pequenas! Já li tudo que escreveram os sábios, conheço todos os segredos da filosofia, e no entanto por falta de uma rosa vermelha minha vida infeliz."

"Finalmente, eis um que ama de verdade", disse o Rouxinol. "Noite após noite eu o tenho cantado, muito embora não o conhecesse: noite após noite tenho contado sua história para as estrelas, e eis que agora o vejo. Seus cabelos são escuros como a flor do jacinto, e seus lábios são vermelhos como a rosa de seu desejo; porém a paixão transformou-lhe o rosto em marfim pálido, e a cravou-lhe na fronte sua marca."

"Amanhã haverá um baile no palácio do príncipe", murmurou o jovem Estudante, "e minha amada estará entre os convidados. Se eu lhe trouxer uma rosa vermelha, ela há de dançar comigo até o dia raiar. Se lhe trouxer uma rosa vermelha, eu a terei nos meus braços, e ela deitará a cabeça no meu ombro, e sua mão ficará apertada na minha. Porém não há nenhuma rosa vermelha no meu jardim, e por isso ficarei sozinho, e ela passará por mim sem me olhar. Não me dará nenhuma atenção, e meu coração será destroçado."

sábado, 5 de maio de 2012

Além-Tédio

(Mário de Sá-Carneiro)

Nada me expira já, nada me vive ---
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A Flor do Sonho


A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! ...
Milagre ... fantasia ... ou, talvez, sina ...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?! ...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minha’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi ...


(Florbela Espanca)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Poção de te ter


Que o encanto suave que pra ti hei fazer
Envolva o sol, lua e estrelas;
Traga o mar, o vento, o tempo... para que sejas
Banhado na doce poção de te ter.

Sentido no corpo o sonho aquecer
Na intensa magia que ardente desejas
Esteja firmado o minuto que beijas
O louco momento do feito querer.

No encontro perfeito em lugar não marcado,
À sombra da hora da luz,
Esteja refeito do Amor desejado...

O rastro da cálida cobiça que pus
No frasco vermelho dos sonhos amado
O suspiro profundo do Amor que seduz.
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